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sábado, 20 de outubro de 2012

LUIZ GONZAGA: MÚSICA, MEMÓRIA E IDENTIDADE




                                                             Por: Jonas Rodrigues de Moraes[1]


Gonzaguinha: - É hômi! É hora da memória! A gente chega e puxa um pouquinho de memória porque, evidentemente, sabe é, nós vivemos um tempo em que as pessoas não tem mais o tipo de memória que tinha. Muita coisa da memória do povo foi cortada, então a gente coloca pra fora e aproveita e puxa também pela tua e vamo vê se você consegue responder a altura esse desafio que eu te coloco aqui. Por exemplo:
Gonzaguinha: - Juazeiro, Juazeiro, me arresponda por favor/ Juazeiro velho amigo onde anda me amor/ Aí Juazeiro [...]Luiz Gonzaga: - Memória boa hoje, hein?! Tá sabendo das coisas. Você sabe demais daqui do seu velho pai [...] (LP Gonzagão e Gonzaguinha “Discanço em casa moro no mundo”. EMI - Odeon/ RCA, 1981 (álbum duplo).

O diálogo estabelecido entre o filho, Gonzaguinha e o pai, Gonzagão no LP “Discanço em casa moro no mundo” (1981), serve para elucidar que a memória e o esquecimento andam juntos, Gonzaguinha chega a dizer: sabe é, nós vivemos um tempo em que as pessoas não tem mais o tipo de memória que tinha”. E, na frase anterior ele enfatiza: “É hômi! É hora da memória! A gente chega e puxa um pouquinho de memória”.   A construção do repertório estético gonzaguiano é em parte focado na memória, desse modo, a memória é uma elaboração dinâmica, ativa. Indubitavelmente, cabe assinalar que a memória nunca é a repetição exata de algo passado.
  Tomando-se como base o repertório e a trajetória artística do músico Luiz Gonzaga - Sanfoneiro do Rio Brígida -, pretende-se discutir como a memória e a tradição colaboraram para processo de invenção de nordestinidade pela música. As canções de Luiz Gonzaga foram retiradas de uma memória e de uma cultura acústica nordestina. O arcabouço artístico de Gonzaga foi constituído a partir das células rítmicas do aboio, das ladainhas, dos benditos, das incelências entre outras manifestações da cultura nordestina. Essa cultura acústica serviu também como pano de fundo também para criação de sua performance. Desse modo, cabe afirmar que a produção musical gonzaguiana foi construída no entre-lugar campo/cidade. A performance do Sanfoneiro do Rio Brígida é constatada nas imagens dos LP’s e nas fotografias. Com efeito, os LP’s e as fotografias imprimiram uma linguagem de identificação de Nordeste. A maioria das capas dos LP’s do sanfoneiro-compositor, articulada juntamente com o produtor foram criadas imagens de Nordeste e nordestino focadas em cenários de seca, mandacarus, caveiras, trajes de cangaceiro e vaqueiro, sol “escaldante”, entre outros signos.
Em parte o cancioneiro gonzaguiano representa o Nordeste simbolicamente não apenas por meio de imagens rurais, mas também mediante imagens citadinas, já que emerge numa trajetória de migrante, ou seja, no entre-lugar campo/cidade. Foi nesses espaços intersticiais e de deslocamento do Sertão nordestino para o Sudeste do país que o repertório musical de Gonzaga se constituiu. Na sua música, o Nordeste surge na interlocução com o Sudeste, como comprovado na canção: “[..] Ah! se eu fosse um peixe/Ao contrário do rio/Nadava contra as águas/E nesse desafio Saía lá do mar pro Riacho do Navio” (Riacho do Navio - xote - Zé Dantas e Luiz Gonzaga, 1955).
Esse conjunto de práticas e tradições inventadas na música de Gonzaga serviu como instrumento de diálogo entre o compositor e seu público receptor e teve como objetivo estabelecer um discurso musical suscetível de decodificação e interpretação. Essa linguagem discursiva musical imprimida pelo compositor foi repetida continuamente para apregoar valores e regras oriundos de modos de vida sertanejos com o intuito de institucionalizar e territorializar o Nordeste.
Portanto, vale salientar que a memória, a tradição e a cultura acústica nordestina colaboraram para criação do repertório estético e para performance de Luiz Gonzaga bem como as imagens e as temáticas do cancioneiro gonzaguiano instituíram uma identidade e a invenção da nordestinidade.


* Texto publicado no Portal Caldeirão Político, Cajazeira-PB, 24 de Junho de 2012. 

[1] Doutorando em História Social – PUC/SP e mestre pela mesma universidade. Professor da rede pública estadual do Piauí e do município de Caxias-MA.