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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

VARIAÇÕES SOBRE O BAIÃO


REVISTA DA MÚSICA POPULAR [Nº 5 - fevereiro de 1955] 
                            Por Guerra Peixe 

       Quer seja como dança ou música – cantada ou instrumental – o baião apresenta aspectos diversos, constituindo difícil tarefa traçar as suas características mais acentuadas. Isso naturalmente, devido à escassez de material colhido nas fontes genuinamente populares, que possibilitasse a comparação dos exemplares e a conclusão sobre a variedade que os documentos devem oferecer.
        Recentemente, Batista Siqueira assinala que “baião” é corruptela de “bailão”, ou melhor, de “baile grande” [Influência Ameríndia na Música Folclórica do Nordeste, pág. 72]. O autor se apóia em Gustavo Barroso ao explicar o processo de deformação da palavra na voz do povo brasileiro. O vocábulo não nos pareceria distanciado dessa origem se considerássemos os arcaísmos e populismos portugueses sobrevivendo no linguajar nordestino, embora tantas vezes tomando forma nacionalizada. Em Portugal se observa a expressão “balho” para enunciar o “baile” ou danças lusitanas, podendo advir daí essa forma brasileira que, no supor de Siqueira, nomeia o nosso baile popular. Ainda, o termo pode provir de outra fonte, pois “Baião” é o nome de um escritor português, mencionado na “Enciclopédia e Dicionário Internacional” [vol. X, pág. 5907]. Todavia, a palavra pode haver sido adotada em Portugal após o seu uso inicial no Brasil.
        Por outro lado, acredita-se que “baião” venha a ser corruptela de “baiano”, opinião da qual compartilham alguns dos nossos estudiosos mais autorizados, talvez por se julgar que a dança tenha se originado no lundu – uma forma musical popular que, em certa modalidade, se teria designado lundu-baiano. “Baiano” indicaria, então, a procedência geográfica: Bahia. Não obstante, o processo poderia ter se dado inversamente, quer dizer, de “baião” teria surgido a expressão “baiano”. Tal como o “Maneiro pau” – outra forma de dança popular – que nada tem a ver com Minas, embora seja este o modo pelo qual o nordestino chama o “Mineiro pau”. Ou, como na questão do “fardo português”, que os estudiosos, baseados nos mais antigos registros, afirmam haver sido criado no Brasil Colonial, sem que até hoje haja contestação e muito menos prova em contrário.
        Uma das mais salientes características do baião é sua desconcertante variedade, especialmente rítmica, contrastando fundamentalmente com esquemas estandardizados da discografia comercial popularesca e conseqüente esteriotipia dos seus valores mais destacados. 
        “Baião” e “baiano” são vocábulos que se aplicam indiferentemente a diversas manifestações populares de música e dança. Ele é ouvido, por excelência, no folguedo Bumba-meu-boi, e, sob este aspecto, é mencionado numerosas vezes por Gustavo Barroso e outros autores. Entretanto, cabe aqui perguntar: São baiões todas as peças musicais do referido divertimento? Evidentemente não, pois no Bumba-meu-boi há, por exemplo, o cântico da Pastorinha, a cantoria da partilha do Boi “morto” e, ainda, o velório dedicado ao “animal” – uma curiosa espécie de canto-fúnebre brasileiro. Afora estes, outros cânticos são ouvidos na folgança, sem que sejam exatamente baiões.
        É comum, no Maranhão, as orquestras populares executarem números de música, para dança, em que tomam parte cantadores. Quando as vozes se calam, um solista instrumental se destaca ao improvisar variações sobre uma base harmônica, para, algum tempo depois, os cantadores retornarem à cantoria. Esse interlúdio instrumental é destinado ao descanso das vozes, sem que a dança seja interrompida. Bem, o trecho instrumental improvisado é, lá, chamado baião.
        As Bandas-de-pife de todo o Nordeste executam o seu baião, como música instrumental. Consta de um pequeno tema sobre o qual os pifeiros improvisam infinitas variações. Acredito que essas Bandas executam também o baião cantado, pelo menos quando animam os bailes em que tomam parte.
        Passando por Conquista, cidade situada no Sul da Bahia, fui informado, por gente do povo, que ali se dança o baião. Este, porém, se assemelha aquela espécie de música que é conhecida por “tango”. Trata-se do “tango brasileiro”, ou “tanguinho”, cuja versão urbana também é conhecida por “maxixe”.
        Diferindo completamente em sua estrutura, baião é também a peça executada pela orquestra dos Cabocolinhos recifenses. Essencialmente instrumental, viva e apressada, tem lugar quando se realizam as manobras deste divertimento, isto é, nos momentos dançados e intercalados à sua representação dramático-coreográfica.
        Do sentido de música “alegre”, “variada” e “apressada”, parece haver surgido, do baião, a aplicação de vocábulos derivados, exatamente para reforçar a indicação desse sentido. Assim, a Banda-de-pife executa uma peça musical ainda mais acelerada que o baião, e que, como este, se compõe de variações sobre um tema: é a “abaianada”. Mesmo nos cultos africanos do Recife o termo fez a sua incursão, pois certo toque [espécie rítmica], quando executado em função do caráter austero de algumas “toadas”, é designado Moçambique. Se a “toada” não é muito “forte” e permite aos músicos o emprego de certas liberdades, estes colocam em relevo a sua capacidade de criação rítmica e a técnica de execução em conjunto, passando a fazer tantas variações quanto comporte a base rítmica do toque Moçambique. Agora, porém, o toque passa a se designar Moçambique-abaianado ou Moçambique-variado – ou, então, simplificando a tratamento, abaianado ou baiano. No modo variado, o toque exige aceleração do andamento, impulsionada pelo entusiasmo dos iniciados. O mesmo processo, com idênticas particularidades, é repetido no toque Batá-abaianado.
        As derivações referidas acima já deviam estar em uso no século passado, pois, Mário Sette [“Arruar”, pág.170], registra uma “modinha abaianada”, publicada no Recife antigo.
        Cabe aqui referir ao alegre repicar dos sinos das igrejas do Recife, que é chamado “baião”. O vocábulo, nesse sentido, vem caindo em desuso na voz popular, limitando-se quase que ao âmbito dos funcionários das igrejas. Convém salientar, eram os negros dos Maracatus os homens que antigamente, exerciam essa função nos templos católicos da capital pernambucana, advindo, dessa circunstância a semelhança dos seus toques com a música percutiva do Maracatu.
        Vimos, assim, que são diversas as manifestações musicais qualificadas de “baião” ou “baiano”, todas ligadas por traços comuns: alegria, variação e vivacidade.
        Mas “baião” tem outra importantíssima acepção: o toque que os cantadores nordestinos fazem em suas violas, entre a cantoria de um e a do seu parceiro. Esse toque, em sua forma mais simples, não passa de primitiva articulação da base rítmico-harmônica sugerida pelos bordões do instrumento. Outras vezes são criados fragmentos melódicos, à guisa de interlúdio – e ambos em contraste com a melodia das vozes. Aliás, Luiz da Câmara Cascudo, pergunta se esses baiões dos violeiros não seriam “reminiscências dos prelúdios e postlúdios com que os rapsodos gregos evitavam a monotonia das longas histórias cantadas” [“Vaqueiros e Cantadores”, pág.142]. O autorizado estudioso não atenta nos marcantes indícios que lhe possibilitariam esmiuçar a comparação, a fim de reforçar a inteligente interrogação. Se não, vejamos: Na Antiguidade, a poesia já se havia desenvolvido enormemente em comparação com a música, que apenas lhe servia para ressaltar as rimas. Depois, ainda em época remota, apareceram os instrumentos qualificados de “bordões”, tais como a cornamusa, a musette e outros do gênero, os quais produziam sons graves, prolongados e invariáveis. Adquirindo novos recursos, as melodias se foram tornando mais evoluídas, enquanto eram formados os modos escalares a que os historiadores chamam de “sistema grego”. A par desse desenvolvimento, os instrumentos acompanhantes passaram a intercalar sons intermediários entre os sons das melodias cantadas [como podemos reparar, ainda hoje, ouvindo alguns violeiros], processando uma elementar variação, à maneira das “variantes” que o pesquisador de folclore observa no material comparado. E mais tarde, no Madrigal. Acompanhado, surgiram os ritornelos – pequenos e repetidos interlúdios, separando os trechos cantados. Enfim, a cada passo adiantado no campo da expressão, a música se enriquecia, acrescentando à herança adquirida os novos recursos conquistados.

[Conclusão]

        Bem, na música do violeiro nordestino, tudo isso é evidente: a maneira de cantar, valorizando mais a poética do que a música; o insistente som grave, repetido [em lugar de prolongado] e invariável, executado no bordão da viola, assim como o pequeno interlúdio instrumental fazendo às vezes do ritornelo. Estes – bordão e interlúdio – caracterizando o baião-de-viola; as escalas dos modos medievais gregos e, não raro, as discretas primitivas variações [ou “variantes”] acompanhando a melodia vocal. Certamente, compreender-se-á que todas essas particularidades tomaram feição própria no Brasil, não lhes cabendo, a rigor, a terminologia tradicional, da qual me vali apenas para favorecer a comparação.
        Luiz Cascudo apresenta como sinônimo de “baião” [refere-se ao baião-de-viola] o termo “rojão”, esclarecendo que os baiões “desdobrados” [desenvolvidos?] “servem para dançar”.
        Além dessa modalidade de baião-de-viola há outra, em que, simultaneamente, o músico produz um ruído característico e ritmado no seu instrumento [no tempo superior e com as pontas dos dedos].
        Se um dos cantadores faz uso da rabeca – o violino rústico – o baião é feito neste instrumento, mudando, porém, a forma melódica de acordo com as possibilidades oferecidas pelas particularidades da própria rabeca.
        O rudimentar processo do violeiro executar o baião-de-viola dá, para os estranhos ao seu estilo de música, a impressão de imperturbável monotonia. Entretanto, ele é bem uma variação, uma vez que é feito com intento de contrastar com a voz. Dessa forma, o momento rítmico se sobressai com expressão própria, tanto pelo seu caráter instrumental quanto pela insistência do bordão, contrapondo-se ao timbre vocal e divergindo da linha melódica que alinhava a poesia.
        Portanto, a palavra “baião” e suas derivadas traduzem – pelo menos nos exemplos apontados – “alegria”, “variação” e “vivacidade”. E, ainda, “interlúdio”, já que se intercala às falas do Bumba-meu-boi às manobras dos Cabocolinhos e se entremeia à poesia dos cantadores.
        Algumas das formas de dança do baião, a que assisti, são de grande vivacidade, requerendo especial destreza na sua prática. A música, como vimos, apresenta variedade de processos, tornando perigosa qualquer conclusão por enquanto – embora já possam ser delineados alguns dos seus aspectos mais constantes. E a poesia permite abundantes combinações formais, abordando os assuntos mais diversos.
        A meu ver, “baião” – na sua multiplicidade de formas – é tão generalizado no Nordeste, que se pode equiparar – em diversidade – às manifestações populares qualificadas de “samba” e “batuque”, correntes em todo o Brasil. E é lamentável que a radiofonia atual não permita a sua divulgação, num tão oportuno movimento de renovação da música urbana.


PEIXE, Guerra. “Variações sobre o Baião”. “Revista da Música Popular”. n.5. fevereiro de 1955. In: MARTINS, Ismênia de Lima; SOUSA, Fernando (Orgs.). Coleção Revista da Música Popular. Rio de Janeiro: Funarte/ Bem-Te-Vi Produções Literárias, 2006.p.234 - 235 e 264. 

quarta-feira, 31 de julho de 2013

MEMÓRIAS ANCORADAS EM CORPOS NEGROS

O livro “MEMÓRIAS ANCORADAS EM CORPOS NEGROS” da Professora doutora da PUC/SP Maria Antonieta Antonacci foi lançado no XXVII Simpósio Nacional de História, evento que ocorreu de 22 a 26 de julho de 2013 na UFRN, em Natal - RN.

Sinopse

A natureza da preservação de africanismos na memória coletiva dos descendentes de heranças africanas tem desafiado os estudiosos brasileiros nas várias disciplinas humanas. Das perspectivas históricas e sociológicas às manifestações culturais e religiosas, enquanto tentam interpretar o impacto de africanismos retidos em várias práticas culturais. 
Memórias ancoradas em corpos negros é uma coleção de estudos independentes planejados para apreender evidências afrodiaspóricas, na originalidade de suas abordagens. 
É importante para melhor entendimento e interpretação do tecido cultural brasileiro, não só da perspectiva da preservação de elementos culturais africanos no Brasil, mas também do reconhecimento de seus significados em várias manifestações culturais, desde o contar histórias a designs iconográficos.

EDUC
2013 • 288 páginas • 16x23 cm
ISBN 978-85-283-0447-3 • R$ 50,00

Onde comprar:
Livraria Cortez
Livraria Cultura
Loja da PUC-SP

domingo, 5 de maio de 2013

Januário e sua sanfona de oito baixos


Por Leonardo Rugero Peres (Leo Rugero)[1]

Pouco sabemos a respeito de Seu Januário, pai de Luiz Gonzaga e “vovô do baião”. José Januário dos Santos nasceu em Floresta, sertão de Pernambuco, no dia 25 de setembro de 1888, ano da Abolição da Escravatura. Alguns dizem que Januário não teria nascido em Floresta, mas em algum outro município dos arredores. Também não se sabe, ao certo, em que ano Januário chegou à Fazenda Araripe, nas terras pertences ao Coronel Manuel Aires de Alencar, filho de Gauder Maximiliano Alencar de Araripe, o Barão de Exu. Pelo que conta a história oral, esta palavra homônima do orixá africano, é uma corruptela de Ansú (?), grupo indígena que habitava a Serra do Araripe. Daí o nome daquele latifúndio pertencente ao Barão ter sido posteriormente batizado de Exu.
Januário trabalhava como agricultor e na confecção de couro. Não se sabe como Januário teria aprendido a tocar e afinar sanfona de oito baixos. Teria sido sozinho, isolado no sertão pernambucano? Alguns dizem que ele teria conhecido um mascate judeu na Chapada do Araripe.
Nas recordações de infância de Luiz Gonzaga, seu pai aparece como um sanfoneiro respeitado das redondezas. De forma mítica, Januário é apontado como o pioneiro da sanfona nordestina. Com certeza, haviam outros sanfoneiros, com seus solos de sanfona que talvez tenham sido levados para sempre no vento que sopra nas catingas, a espera de que alguma fotografia ou lembrança familiar seja encontrada para que a história possa ser reescrita. Se sabemos algo mais sobre Januário, isso se deve à Luiz Gonzaga. Graças às letras e narrativas de Gonzaga, conhecemos tão bem certos personagens e detalhes daquela região que muito provavelmente estariam esquecidos, ou, ao menos, escondidos por trás da espessa mato do cerrado.
A atuação profissional de Januário no contexto fonográfico foi errática, tendo ocorrido em 1955, na gravadora RCA-Victor, quando gravou dois discos de 78 rotações, acompanhado de sua prole. No selo dos discos, o velho sanfoneiro era apresentado como “Januário, seus filhos e sua sanfona de oito baixos”. Nestas gravações, podemos ouvir a “sanfona abençoada”, tal como se refere Luiz Gonzaga no xote “Januário vai tocar”. A letra autobiográfica, discursa sobre o papel social do sanfoneiro nos bailes interioranos e reforça a relação deste instrumento com o passado rural e as populações menos favorecidas economicamente: “a cidade te acha ruim, mas eu não acho".

Ai, ai, sanfona de oito baixos,
Do tempo que eu tocava na beira do riacho.
Ai, ai, sanfona de oito baixos,
A cidade te acha ruim, mas eu não acho

Lá na Taboca, no Baixio, lá no Granito,
Quando um cabra dá o grito: - Januário vai tocar!
Acaba feira, acaba jogo, acaba tudo,
Zé Carvalho Carrancudo tira a cota pra dançar.

Outra música gravada por Januário é o solo instrumental “Calango do Irineu”, que pode nos revelar um pouco da técnica e do estilo pessoal de Januário. Neste baião, está presente a 7a menor da escala maior, tão característica da música trazida por Luiz Gonzaga. Também estão as 3as paralelas e consecutivas, segundo o maestro Guerra-Peixe, uma reminiscência do gymel, uma técnica de harmonização medieval surgida na Inglaterra tão presente na música brasileira. Acima de tudo, nesta música encontramos aquele “tempero” que torna peculiar o estilo nordestino de tocar sanfona, que é facilmente perceptível ao primeiro toque, embora difícil de ser descrito em palavras.
Alguns anos antes, em 1950, Januário seria apresentado ao grande público, através do disco e do rádio, por seu filho, Luiz Gonzaga e o parceiro Humberto Teixeira, com o xote “Respeita Januário”. Numa narrativa metalingüística, Gonzaga descreve seu deslocamento de Exu, foragido de uma briga, da qual foi ameaçado de morte, e a longa epopéia que culmina com o retorno ao berço natal, já consagrado como Rei do Baião no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Escrito com tinturas épicas de uma saga nordestina, o relato de Gonzaga tornou-se maior e mais real do que a história literal, onde personagens ganham vida em diálogos que teriam sido inventados, mas que acabaram tomando vida própria e se eternizando de forma mítica na imaginação popular. Muito provavelmente, pela primeira vez, na história da canção popular urbana, se versava sobre a sanfona de oito baixos e o papel social do sanfoneiro no sertão nordestino. Outro aspecto salientado pela letra desta canção é a relação de constante recusa e desafio entre pai e filho que permeia a transmissão da herança cultural, que não é ensinada, mas é aprendida.
No ano de 1952, Luiz Gonzaga reuniu seu pai e seus irmãos, formando o conjunto “Os Sete Gonzagas”, que realizou apresentações inesquecíveis nas rádios Tupi, Tamoio e Nacional. Por sorte, estas gravações foram registradas em áudio, e podemos ouvir as performance de Januário ao vivo.
No entanto, Januário poderia ser aquele personagem da letra de Gilberto Gil para a melodia “Lamento Sertanejo” de Dominguinhos. Avesso à cidade grande, “por ser de lá do sertão, lá do roçado, lá do interior do mato, da catinga e do roçado”. Januário não se adaptou ao sitio dos Gonzaga em Santa Cruz da Serra, no Rio de Janeiro. Preferiu voltar a Serra do Araripe, entre a catinga e o roçado, na lavoura, tocando sanfona de oito baixos na beira do riacho.
No entanto, a despeito de sua atuação profissional em música ter sido tão breve e fugaz, sua herança foi transmitida através dos filhos; Luiz Gonzaga, Zé Gonzaga, Severino Januário e Chiquinha Gonzaga. Através deles, a música do velho Januário foi ressignificada ao contexto fonográfico, se entranhando na alma nordestina, como se fizesse parte da paisagem sertaneja, traduzindo em contornos melódicos a poética do sertão.


Januário veio a falecer aos 90 anos, em 11 de junho de 1978, em Exu. Salve Januário, pai de Luiz Gonzaga e pioneiro da sanfona de oito baixos na região Nordeste.
Postado no Blog Sanfona de 8 baixos em 28/06/2011, às 22:46.



[1] Mestre em música pela Escola de Música – PPGM da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

"SONS DO SERTÃO: Luiz Gonzaga, Música e Identidade"

A experiência sonora da turnê de lançamento-show do livro editado pela Annablume, 2012, do autor Jonas Rodrigues de Moraes.

Depoimento de Dimas Bezerra,  um dos integrantes da turnê de lançamento. 

Dimas Bezerra é cantor, compositor e interprete, além de tocar violão,se destaca também nos instrumentos de percussão, cajón em particular o triângulo. Suas composições se inserem no campo da moderna música popular brasileira. Suas canções percorrem os ritmos, como baião, reggae, funk, rock, boi, samba e afoxé.Também ministra oficina de percussão e canto.



Dimas Bezerra comenta sobre uma das viagens de lançamento.  

A viagem a Simões-PI foi fenomenal conheci a paisagem sonora do Araripe. Enquanto músico, cantor e compositor tinha interesse em conhecer parte do Araripe do lado do Piauí e a oportunidade foi concedida pela a Direção da CEAD/UAPI/UFPI, juntamente com o prof. Jonas Rodrigues de Moraes (músico e doutorando em História Social PUC/SP), o músico e violonista Alfredo Werney Lima Torres (prof. de música do IFPI/Floriano-PI) acredito que realizamos um grande trabalho, pois atuei na palestra musicalizada e lançamento-show, “SONS DO SERTÃO: Luiz Gonzaga, Música e Identidade”, na condição de percussionista tocando cajon (carron). A atividade cultural e acadêmica ocorreu no Polo da UAPI/UFPI Simões-PI no horário das 19 horas do dia 08/03/2013. Houve uma cerimônia de abertura, sendo a mesa formada por professores, autoridades municipais e da área de educação. Posteriormente Jonas Moraes prosseguiu analisando canções do sanfoneiro Luiz Gonzaga e explicou como foi construído o repertório estético gonzagueano e sua relação com a cultura do Araripe.




segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

LUZ NOVA SOBRE LUIZ GONZAGA

                                                         Deusval L. de Moraes
                                                         Pós-Graduado em Direito 


“Jonas Moraes diz também que Luiz Gonzaga trouxe a materialidade da pobreza rural sertaneja para a sua cultura acústica...”

No ano do centenário de Luiz Gonzaga, nascido em 13 de dezembro de 1912, nenhuma personalidade brasileira foi antes tão homenageada em todo território nacional quanto o velho cantador do Nordeste. Claro, com todo merecimento. Eu mesmo tive a oportunidade de estar na cidade de Exu-PE, nas festividades alusivas ao dia do seu centenário, em 13 de dezembro último, a convite de amigos, e pude constatar o respeito, a admiração, a gratidão e a paixão do povo nordestino, especialmente os pernambucanos e os artistas, pelo inolvidável trovador do sertão. 
Na esteira das homenagens durante todo o ano do centenário de Luiz Gonzaga, o Piauí fez bonito e teve brilhante e efusiva participação. Já em todo o mês de março de 2012, foram apresentados no espaço artístico e cultural Artes de Março, do Teresina Shopping, shows dos melhores intérpretes gonzagueanos do Brasil, além da exposição do seu acervo oriundo do Museu em Exu. Fez também estrepitoso sucesso a Cantata Gonzagueana (Orquestra Sinfônica de Teresina interpretada por João Cláudio Moreno) sob a batuta do versátil maestro Aurélio Melo, que se apresentou magnificamente no Senado Federal e nas comemorações na cidade de Exu.
Mas para coroar a participação piauiense nas homenagens a Luiz Gonzaga, nada mais dadivoso que o lançamento em São Paulo, Recife e, no dia 21 de dezembro, em Teresina, do livro “Sons do Sertão: Luiz Gonzaga, música e identidade”, de autoria de Jonas Rodrigues de Moraes, primo e conterrâneo da cidade de Paes Landim-PI, mestre e doutorando em História Social na PUC/SP. Jonas Moraes, além de historiador (UESPI), é também graduado em Educação Artística (com habilitação em Música) pela UFPI, e a referida obra foi a sua tese de mestrado que se transformou em tratado com vertentes pesquisadas na estilização do baião, invenção da identidade (música e performance) e hibridação musical (o nacional e o regional).
O autor mostra com raro conhecimento o encontro de Luiz Gonzaga com o compositor Humberto Teixeira que decidiram que a música ou ritmo para o Norte e os nordestinos no Sul, seria o baião. A “recriação” do baião por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, segundo ainda o autor, veio por ser uma música dançante e uma estratégia de sonoridade discursiva da relação da identificação dos nordestinos com a região. Pois as imagens que essa música constrói servem para realimentar na memória dos nordestinos e dos brasileiros uma situação de penúria, de desolação. O baião é, pois, o repertório musical de Gonzaga para a institucionalização do Nordeste. 
Jonas Moraes diz também que Luiz Gonzaga trouxe a materialidade da pobreza rural sertaneja para a sua cultura acústica, mostrando as dificuldades que a sua família e demais moradores da região passavam para sobreviver no sertão nordestino. Mostra igualmente a influência dos elementos sonoros da Serra do Araripe relacionados ao canto das ladainhas, dos novenários, dos benditos, a um fazer musical e sua interinfluência com a música sacra. Luiz Gonzaga foi o cantador/narrador cujas composições trouxeram uma forma de cantos baseado em elementos de narrativa oral nordestina. Diz ainda o livro que o artista, em seus aboios, revelou significados que reverberaram um lugar social vivido pelos vaqueiros ao longo do tempo.
A obra trata do nacionalismo e do nacional-popular na perspectiva de se compreender como essas categorias se forjaram na música brasileira a partir de Luiz Gonzaga. O sanfoneiro sempre colaborou para a elevação da nação, bem como para a exaltação do trabalho. Gonzaga também deu amplitude à sanfona e criou o seu trio musical. Incorporou o zabumba como instrumento de acompanhamento dos cânticos religiosos nas igrejas e o triângulo como instrumento das festas nas feiras do interior. Enfim, o autor observa que os ritmos propostos no repertório de Luiz Gonzaga levaram os nordestinos do sul para a sua região e para a instituição imagética sonora de nordestinidade. Por isso, “Sons do Sertão: Luiz Gonzaga, música e identidade” é um livro que todos os piauienses deveriam conhecer, por mostrar um sanfoneiro muito mais profundo para a música popular brasileira do que muitos sabem, pensam ou imaginam. É uma leitura superprazerosa, substanciosa, imperdível! 

* Artigo publicado no Jornal Meio Norte, Página A/2: Opinião, Segunda-Feira, Teresina-PI, 14 de janeiro de 2013
Site: http://www.jornalmn.com.br/