Por: Jonas Rodrigues de Moraes[1]
Gonzaguinha: - É hômi! É hora da
memória! A gente chega e puxa um pouquinho de memória porque, evidentemente,
sabe é, nós vivemos um tempo em que as pessoas não tem mais o tipo de memória
que tinha. Muita coisa da memória do povo foi cortada, então a gente coloca pra
fora e aproveita e puxa também pela tua e vamo vê se você consegue responder a
altura esse desafio que eu te coloco aqui. Por exemplo:
Gonzaguinha: - Juazeiro,
Juazeiro, me arresponda por favor/ Juazeiro velho amigo onde anda me amor/ Aí
Juazeiro [...]Luiz
Gonzaga:
- Memória boa hoje, hein?! Tá sabendo das coisas. Você sabe demais daqui do seu
velho pai [...] (LP Gonzagão e
Gonzaguinha “Discanço em casa moro no mundo”. EMI - Odeon/ RCA, 1981 (álbum duplo).
O diálogo estabelecido entre o filho,
Gonzaguinha e o pai, Gonzagão no LP “Discanço em casa moro no mundo” (1981), serve para elucidar que a memória e o esquecimento
andam juntos, Gonzaguinha chega a dizer: “sabe é, nós vivemos um tempo em que as
pessoas não tem mais o tipo de memória que tinha”. E, na frase anterior ele
enfatiza: “É hômi! É hora da memória! A
gente chega e puxa um pouquinho de memória”. A construção do repertório estético
gonzaguiano é em parte focado na memória, desse modo, a memória é uma
elaboração dinâmica, ativa. Indubitavelmente, cabe assinalar que a memória
nunca é a repetição exata de algo passado.
Tomando-se como base o repertório e a trajetória artística do músico
Luiz Gonzaga - Sanfoneiro do Rio Brígida -, pretende-se discutir como a memória
e a tradição colaboraram para processo de invenção de nordestinidade
pela música. As canções de Luiz Gonzaga foram retiradas de uma memória e de uma
cultura acústica nordestina. O arcabouço artístico de Gonzaga foi constituído a
partir das células rítmicas do aboio, das ladainhas, dos benditos, das
incelências entre outras manifestações da cultura nordestina. Essa cultura
acústica serviu também como pano de fundo também para criação de sua performance.
Desse modo, cabe afirmar que a produção musical gonzaguiana foi construída no entre-lugar
campo/cidade. A performance do
Sanfoneiro do Rio Brígida é constatada nas imagens dos LP’s e nas fotografias.
Com efeito, os LP’s e as fotografias imprimiram uma linguagem de identificação
de Nordeste. A maioria das capas dos LP’s do sanfoneiro-compositor, articulada
juntamente com o produtor foram criadas imagens de Nordeste e nordestino
focadas em cenários de seca, mandacarus, caveiras, trajes de cangaceiro e
vaqueiro, sol “escaldante”, entre outros signos.
Em parte o cancioneiro gonzaguiano representa
o Nordeste simbolicamente não apenas por meio de imagens rurais, mas também
mediante imagens citadinas, já que emerge numa trajetória de migrante, ou seja,
no entre-lugar campo/cidade. Foi
nesses espaços intersticiais e de deslocamento do Sertão nordestino para o
Sudeste do país que o repertório musical de Gonzaga se constituiu. Na sua
música, o Nordeste surge na interlocução com o Sudeste, como comprovado na
canção: “[..] Ah! se eu fosse um peixe/Ao contrário do rio/Nadava contra as
águas/E nesse desafio Saía lá do mar pro Riacho do Navio” (Riacho
do Navio - xote - Zé Dantas e Luiz Gonzaga, 1955).
Esse conjunto de práticas e tradições
inventadas na música de Gonzaga serviu como instrumento de diálogo entre o
compositor e seu público receptor e teve como objetivo estabelecer um discurso
musical suscetível de decodificação e interpretação. Essa linguagem discursiva
musical imprimida pelo compositor foi repetida continuamente para apregoar
valores e regras oriundos de modos de vida sertanejos com o intuito de
institucionalizar e territorializar o Nordeste.
Portanto, vale salientar que a memória, a tradição e a cultura acústica nordestina
colaboraram para criação do repertório estético e para performance de Luiz
Gonzaga bem como as imagens e as temáticas do cancioneiro gonzaguiano
instituíram uma identidade e a invenção da nordestinidade.
* Texto publicado no Portal Caldeirão Político, Cajazeira-PB, 24 de Junho de 2012.
[1] Doutorando em História Social – PUC/SP e mestre pela
mesma universidade. Professor da rede pública estadual do Piauí e do município
de Caxias-MA.